A dormência tinha começado há várias semanas. Não sei como é, ou como deveria ser com os relacionamentos. Mas tudo começou de forma tão feliz, os sorrisos, os jantares juntos, o rir juntos, o barulho da paixão que levava os vizinhos a odiarem-nos. O perigo que experimentávamos juntos. Por um tempo não podia imaginar como seria possível ser mais feliz do que aquilo, mas foi a partir daí que a minha mente começou a fechar, acabando por negar a realidade.
Tudo começou com as insónias, colocava a minha cabeça na almofada, fechava os olhos e era como se os sonhos só viessem para me atormentar, comecei a experimentar sonhos lúcidos que me faziam acordar a sentir-me muito mais cansada e esgotada emocionalmente do que estava na noite anterior.
Como uma poça que se enche com a chuva, os círculos em redor dos olhos começaram a crescer. Os meus olhos ficaram vermelhos, como que injectados de sangue e podia ver a minha pele a esticar-se cada vez mais contra os ossos. Os sonhos repetiam-se, os olhos ficavam cada vez mais vermelhos. Não houve tréguas no sono e o cansaço firmou-se.
Então, como faço sempre que tenho medo, desliguei as minhas emoções. Às vezes temo que a capacidade de sentir, de alguma forma possa nublar o meu julgamento e me faça agir irracionalmente, ou pior ainda, que me fizesse ceder aos meus instintos e começasse a desmantelar a auto-estima dele. Eu sei que se me sentisse stressada acabaria por dizer coisas que o iam magoar. Coisas que não pretendia mesmo que ele ouvisse. Preferia não sentir a invocar essas coisas, mas devo dizer, é difícil viver na ausência de emoções.
A vida acelera e desacelera dependendo de como nos sentimos. Num momento de fúria cega, uma explosão de raiva pode passar através do corpo como um movimento de entranhas, com palavras a serem projectadas da nossa boca a uma velocidade incrível. Em tempos de grande prazer, semanas parecem instantes, assim como em tempos de grande sofrimento e miséria, quinze minutos podem parecer meses. Contudo, sem emoções, o tempo é apenas um número exibido num relógio. Não é relevante para ti, ou para qualquer coisa que faças. O seu comprimento é relativo, nesta cognição, os sentimentos são completamente ausentes.
Comecei a fazer experiencias sobre esse aspecto. Particularmente pela maneira como cada memória funciona. Em momentos positivos, há um apego à memória, um certo brilho. Isso muda o que é armazenado para a mente como um filme, ou qualquer meio de gravação comparativo que temos no nosso processo de pensamento, e que é editado de nós para nós. Assim a memória é filtrada através da emoção, estas são alteradas e posteriormente armazenadas. Quando as emoções são desligadas, as experiências da vida, são então armazenadas na íntegra. Ao segundo. Nós podemos fechar os olhos e voltar àquilo que experimentámos há um minuto atrás, abrir os olhos e verificar que passou apenas um minuto. Claro que tal não funciona com longas sequências de tempo. Para mim, o limite era exactamente 100 segundos, eu conto até 100 e a memória começa a criar buracos.
Comecei a questionar-me, se não estou autorizada a sentir, será possível para mim reverter o processo da memória? Ou seja, se não sinto nada quando experiencio algo pela primeira vez, se voltar a essa memória, será possível inserir emoção?
Se jantar e não sentir nada sobre o sabor, sobre a atmosfera, sobre tudo, mas depois quando recrear essa memória na minha mente a alterar, será possível torná-la deliciosa, será possível senti-la só no passado e nunca no presente?
Poderia proteger o meu futuro ao fazê-lo, o sentimento vicariante através das minhas próprias memórias dormentes.
Voltava atrás a uma memória específica, 48 horas antes. Das 06:17, 54 segundos às 6:19 36 segundos
Aquele beijo, o último que trocámos em que não senti nada, estava só ali, de olhos abertos, apáticos e vazios.
Insiro emoção: Amor
Fecho os meus olhos e sorrio enquanto os meus lábios tocam os dele. Há magia na atmosfera e eu sinto borboletas a acumularem-se no estomago que nos encaminham para o beijo. Nós já fizemos isto mais de mil vezes, mas ainda assim, de todas as vezes me sinto prestes a explodir quando ele me beija. Quando incende-a os meus lábios com os dele. E sinto-o, uma e outra vez. Como se o vento fizesse cair as flores de cerejeira apenas em cima de nós. E que dura, como um afterglow, deixando o rasto do teu perfume por 10-20 segundos no ar depois que os teus lábios, infelizmente, já se separaram dos meus. E eu sinto a tua falta já.
É quase como comida pré fabricada de microondas, muitos dizem que não é comida de verdade. É como isto, uma forma atenuada de emoção. Mas para mim, é a única maneira segura de sentir.
11 comentários:
Cada pessoa tem a sua maneira de sentir. Mas posso dizer que sou um bocado como tu.
"Ou seja, se não sinto nada quando experiencio algo pela primeira vez, se voltar a essa memória, será possível inserir emoção?"
É possível, mas é falso. Não sentiste mesmo. Apenas querias poder sentir. Uma mera imitação.
"Quando as emoções são desligadas, as experiências da vida, são então armazenadas na íntegra. Ao segundo."
Eis a razão porque tenho uma memória de enoja e mete medo a quem me conhece. As pessoas por vezes têm medo de dizer coisas a mim porque sabem que não esqueço. Mesmo quando se passou no dia 19 de Abril de 2011 das 21 às 23 com uma pessoa que se acabou de conhecer.
Se desligas as emoções já não é um relacionamento. São apenas duas pessoas num mesmo espaço e que interagem. Conheço casos assim. Eu digo que ela é uma lifeless doll, uma zombie. Ela diz que apenas não quer sofrer.
Um dos teus melhores posts, adorei.
adorei a intensidade do sentimento que este texto transmite...:) bjinhos
Texto fantástico.
No entanto não concebo um beijo sem intensidade e paixão. Para mim é sinal de que a relação já acabou sem nos apercebermos.
Há que manter sempre a chama acesa. Mas isso já é outra temática.
Parabéns. E liga sempre a emoção.
Gostei mesmo muito.
Adorei o texto.
Lindo lindo lindo!
percebo :/
xoxo***
Adorei o post, tão sentido...
Espera só um pouco... ainda me sinto arrepiada com o que li!
Fantástico, foi como se o que aconteceu se estivesse a passar à minha frente.
Quanto ao conteúdo em si, não sei até que ponto a tua maneira de sentir é a melhor ou não, não devo julgar tal coisa, mas é seguramente impossivel para mim.
O que sinto ou não no momento presente é que dita aquilo que se passa segundos depois e por aí, nunca tento não sentir ou sentir o que quer que seja, dava em maluca!
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